A cultura de inovação dentro de todas as áreas da empresa é, de fato, um dos principais desafios para a sua implantação, como descuti nos posts anteriores ( O que é inovação? e Roadmap da Inovação). E tudo começa pelo processo de contratação de um(a) profissional para liderar a empresa ou mesmo o processo específico de inovação.
Veja abaixo duas descrições de vagas que me deparei recentemente no LinkedIn, uma para CEO e outra para Diretor de Inovação. Ambas são de empresas grandes e conhecidas, bem estabelecidas no mercado, multinacionais e uma delas, inclusive, vende informações que supostamente deveriam ajudar outras empresas em seus próprios processos de Inovação:
CEO
Qualificações Básicas:
Diploma de GraduaçãoQualificações Específicas:
- Experiência prévia mínima de +15 anos em funções de Gerência Sênior (C-level ou Vice-presidência)
- Experiência no gerenciamento de equipes de profissionais em diferentes áreas funcionais.
- Conhecimento profundo dos produtos, serviços e procedimentos do setor de cooperativas de crédito.
- Preferível grau de Mestre (MBA ou MSc) Um histórico completo de serviços financeiros que inclui:
- Experiência em liderança / gerenciamento;
- Finanças / ALCO / experiência em investimentos;
- Exposição a todas as facetas dos empréstimos;
- Conhecimento de varejo / operações / TI; e,
- Entendimento dos requisitos de crédito, gerenciamento de riscos e conformidade regulamentar.
- Fortes relações regulatórias, incluindo um sólido entendimento das regras e regulamentos externos estaduais e federais para empréstimos, crédito, segurança e proteção, bem como um conhecimento prático das leis trabalhistas e trabalhistas.
- Habilidades interpessoais e de comunicação, profissionais e bem desenvolvidas, incluido a capacidade de gerenciar uma parceria proativa e positiva com a diretoria, órgãos reguladores e outros parceiros comerciais externos.
- Capacidade de ler, analisar e interpretar relatórios financeiros complexos, procedimentos, documentos legais e regulamentos externos.
- Capacidade de demonstrar histórico de envolvimento como membro ativo da comunidade."
Diretor de Inovação e Transformação Digital
[...]Experiência em entrega de projetos de Inovação Digital, [...]fortes habilidades de comunicação, experiência na condução de projetos em paralelo, excelente skills de gestão de projetos, facilidade de na gestão de KPI's e indicadores, bom conhecimento de soluções de Cloud, experiência em algum dos pilares de Transformação Digital (Blockchain, IoT, Inteligência Artificial, Big Data) [...]
Conflito de Gerações

Ao contrário do que pode parecer, a primeira vaga não é para uma empresa do setor de finanças, bancos, crédito, fintech, etc… É para uma instituição de EDUCAÇÃO SUPERIOR!
Agora pense comigo: Quando você leu o descritivo para essa vaga, você, certamente imaginou uma pessoa. Deixa eu te fazer algumas perguntas sobre essa pessoa que você imaginou:
- Quantos anos aproximadamente ela têm?
- Ela tem um perfil ATIVO no Instagram?
- Ela sabe o que é TikTok?
- É cliente de um Banco Digital? Já pagou uma conta com o Cartão Digital em sua Wallet no smartphone?
- Com que regularidade ela faz compras pelo Smartphone?
- Ela sabe o que é Free Fire ou Fortnite?
Provavelmente a sua resposta foi negativa para todas as perguntas. Mas você pode estar se perguntando o que isso tudo tem a ver com um CEO? Neste caso específico, tudo! Os clientes dessa empresa (estudantes) todos responderiam sem pensar “sim” para todas as perguntas.
Então, na própria contratação já estará sendo criado um abismo entre a gestão e os consumidores. Não pela idade em si (isso por si só não representa nada), mas pela diferença de mindset. Isso não tem como dar certo…
Além disso, não há uma única menção ao domínio de ferramentas de inovação, tecnologias, jornada do consumidor, etc… Ainda que esta seja uma das mais tradicionais instituições de ensino do mundo (acredite, é), a educação está mudando a passos largos e um CEO como este, não conseguirá acompanhar essas mudanças ou simplesmente não as compreenderá!
E as exigências implicam nesse abismo: “ter mais de 15 anos em funções de Gerência Sênior” significa que além desses 15 anos, essa pessoa deverá ter mais ou menos outros 10 anos em gerências de outros níveis e talvez outros 10 em funções “de entrada”. Então estamos falando de um profissional que, se teve muita sorte na carreira, terá 35 anos de experiência profissional e mais ou menos 55 – 60 anos, com sorte.
Então, na melhor hipótese, esse CEO nasceu em 1965. Ele tinha 20 anos quando o Fax começou a ser produzido em larga escala, 30 anos quando a Internet começou a surgir (nos EUA) e 42 anos quando a primeira geração do iphone foi lançada.
Isso tudo, faz com que ele tenha que se esforçar muito para entender “essas modernidades” e manter um mindset digital, tendo vivido mais de 3/4 de sua vida em um mundo analógico.
É um grande desafio e certamente não é impossível, mas a verdade, é que é pouquíssimo provável. Sua experiência seria muito melhor aproveitada em um Board do que na direção executiva.
Cercadinho

Já na segunda Vaga, o problema cultural se torna muito mais explícito e problemático, na minha opinião. É uma questão conceitual e muito mais profunda e por isso, muito mais difícil de resolver. Ainda mais se pensarmos que trata-se de uma empresa que vive de vender informações que supostamente deveriam ajudar seus clientes, entre outras coisas, nos processos de inovação de suas empresas.
Veja: a inovação dentro desse anunciante já está errada desde sua concepção, pois nasce pré-definida dentro de um “cercadinho”, que ela equivocadamente chamou de Transformação Digital e piorou, afirmando que essa TD está contida entre 4 “pilares” (Blockchain, IoT, IA e Big Data) ou seja, tanto para essa empresa quanto para os seus clientes (e os clientes deles), a inovação só poderá acontecer através desses 4 pilares… Uma verdadeira aberração!
Provavelmente, alguém leu um desses relatórios pré-fabricados que deveria explicar que TD é baseada nesses 4 pilares e pronto! Isso virou verdade absoluta dentro da empresa, possivelmente foi disseminado pelas áreas de treinamento interno e agora é um mantra tanto da empresa, quanto de seus clientes…
É bem verdade que muitas inovações passam por alguns desses pilares, mas isso não é uma obrigatoriedade e nem deverá ser, pois se todas as empresas utilizarem esses 4 pilares ou alguma combinação deles para inovar a “inovação” em si, deixa de existir!
Esses são só dois pequenos exemplos de como o processo de inovar é muito mais complexo do que parece e seu grande desafio não está na tecnologia, no orçamento ou na qualificação dos profissionais, e sim na construção de uma cultura da inovação.
Vamos falar um pouco disso.
É o sistema, amigo.

Você ficaria impressionado como é imenso o poder do medo. Para mim, esse é, sem nenhuma dúvida o principal desafio da inovação.
Ele permeia toda a organização. Do Board à senhora que prepara o cafezinho. É realmente impressionante. Mas o mais interessante é que o próprio cliente, que vive pedindo “inovação, inovação, inovação”, muitas vezes também é relutante em mudar, mesmo que seja para melhor. É o medo do desconhecido, do novo, do “fora da caixa” e principalmente o medo de mudar o “SFA” – Sempre foi assim!
Em uma recente experiência que vivi, propor modelos novos de operação, de desenvolvimento, de venda, de atendimento, fez com que a diretoria enfrentasse todo o tipo de relutância e desconfiança.
Foi um tiroteio, parecia o momento de ápice de ação dos antigos filmes do RAMBO. Vinham de todos os lados, de todos os calibres, explícitos e velados… Como dira o Cap. Nascimento: “É o sistema, amigo!”
Eram técnicos que tinham medo de mudar os equipamentos e consequentemente, com a utilização de possíveis tecnologias inteligentes, ficarem obsoletos, vendedores que tinham medo de não saber mais “como vender” (ainda que historicamente o desempenho de vendas da empresa apresentasse constante queda), desenvolvedores que temiam mudar a forma “tradicional” como vinham trabalhando, até o pessoal de RH que temia o volume imenso de treinamentos que teriam que providenciar.
Claro que o Board tinha medo das implicações financeiras que uma mudança de estratégia como essa (que envolvia investimentos e mudança de modelo de negócios) teriam no P&L, o que é bastante natural, mas essa foi a parte fácil. Os números, analisados no tempo, não deixavam dúvidas: era preciso mudar urgentemente.
Mas o mais interessante, foi ver alguns clientes que vinham ameaçando deixar a empresa em função de um modelo considerado “antiquado” (nas palavras deles) comparado ao mercado, nos contactar desesperados para reformularmos a nova proposta comercial, para o modelo que eles “estavam acostumados”. -“É mais fácil de compararmos, não estamos confortáveis com esse novo modelo. Não nos sentimos prontos para essa mudança.”
Esse diálogo, para além da surrealidade da situação, foi muito interessante para percebermos que a anedota é verdadeira: “Todos querem a mudança, mas ninguém quer mudar!”
Sair da zona de conforto e criar uma Cultura da Inovação pode ser muito mais difícil do que parece.
A Biologia explica...

Há algum tempo, vi um documentário num desses canais de TV a Cabo (eu sei, coisa de Nerd) sobre o cérebro. Era um capítulo de uma série bastante interessante que procura apresentar como funciona esse órgão e como os “códigos” “hardcodados” por milhares de anos em nosso DNA afetam decisões simples do dia a dia e como fazemos coisas de forma pré-determinada mas que achamos que temos pleno domínio, como “bater o santo” ou não com uma pessoa em um primeiro contato, achar algo bonito ou feio, gostoso ou ruim e mesmo tomar decisões sobre o futuro…
Isso me chamou muito a atenção e fui pesquisar um pouco mais sobre isso e acabei ficando fascinado pelos avanços da neurociência nesse sentido e comecei a pensar como isso afeta as decisões empresariais sobre a inovação.
De forma resumida (e muuuuito simplista), basicamente tudo o que projetamos sobre o nosso futuro depende essencialmente de um parte do cérebro que se baseará em experiências passadas para tomar suas decisões.
Em uma experiência médica, um paciente que teve essa parte do cérebro danificada em um acidente, simplesmente não conseguia dizer como ele achava que seria o dia seguinte, a semana seguinte, em suma, o futuro! Ele simplesmente dizia: “Espero que seja o melhor possível.” Ele não podia afirmar que seria pior ou melhor, mesmo vendo que seus exames apresentavam sensível melhora ao longo do tempo. Quando lhe diziam que alguém estava muito, muito doente e perguntavam como ele achava que seria o futuro dessa pessoa, ele era incapaz de far um prognóstico simples. Ele tinha perdido a capacidade de “prever” o futuro porque a parte do cérebro que tinha sido afetada também era responsável pelas memórias. Ou seja, sem experiências passadas não é possível prever o futuro.
E aí está a chave de tudo! Aí está a fonte do medo! É por esse motivo que a Instituição de Ensino Superior que vive basicamente de financiamento estudantil, quer um financista como CEO, ou a grande empresa de consultoria, quer um Diretor de Inovação que só inove em áreas que ela domina, ou ainda o motivo de todos os medos que apresentei na minha recente experiência com inovação.
A inovação, por princípio, rompe com o passado e ao fazer isso dificulta muito a previsibilidade do futuro e isso incomoda, não é “natural”. Nos deixa fora do controle.
Não à toa, as empresa costumam utilizar KPIs bastante conhecidos para medir a inovação (Vendas, Faturamento, Engajamento, ROI, etc). É claro que o objetivo do FINAL DO CAMINHO no processo de inovação é esse mesmo, mas medir o PROCESSO por essas métricas serve muito mais para acalmar o nosso DNA milenar do que para realmente medir a inovação.
Essas são métricas ex-post e só podem ser usadas para medir o que já saberemos ao final do processo de inovação: Ele deu ou não certo?
De volta à cultura

Tirar as pessoas da sua zona de conforto e “quebrar” a cultura do Sempre Foi Assim, e instituir uma Cultura da Inovação, portanto, vai muito além de ter uma grande idéia ou implantar a Metodologia Ágil com Squads e Tribos.
Esse processo vai requerer dos gestores muita paciência e perseverança, jogo de cintura e uma pitada de técnicas.
O Gartner colheu o que chamou de Culture Hacks entre empresas clientes no mundo todo e liberou para seus assinantes, no final do ano passado um “Tool Kit”, como eles chamam, entitulado : “Toolkit: 2019 Collection of 85 Culture Hacks From the Real World” que apresenta uma lista de maneiras para instituir uma nova mentalidade e formas de agir dentro das empresas, muitas delas ligadas ao Engajamento dos colaboradores em direção à Cultura da Inovação.
Compartilho aqui algumas que achei interessantes:
Tipo: Reunião
Comunique a estratégia de forma memorável. Transmitir a estratégia dessa forma é mais interessante e surpreendente para os colaboradores, tornando a estratégia persistente e visualmente atraente.
Seja CONCISO. Muitas estratégias podem tornar a série de cartoons chata e consequentemente ignorada.
Tipo: Apresentação
Devem ser visualmente atrativas e de fácil leitura. Comunicações corporativas que parecem pesadas, reduzem a credibilidade e engajamento. Geralmente, esses e-mails formais e que incluem muito texto em tom robótico, com pouca ou nenhuma ilustração, deixam pouco espaço para o envolvimento do destinatário, reduzindo seu interesse e engajamento.
Tipo: Comunicação
Abra um fluxo de melhorias e idéias pelo blog.
Culturas hierárquicas e fechadas podem ser abafadas e formais, impedindo mudanças. Essa é uma maneira de pouco esforço para incorporar a cultura que você procura e alcançar um público amplo rapidamente.
Tipo: Comunicação
Isto força as pessoas a vir com soluções propostas, em vez de insistir apenas nos problemas.
As pessoas pensarão de maneira mais proativa sobre o curso de ação a ser adotado e assumirão mais responsabilidade.
Tipo: Procedimentos
Os funcionários votam nas perguntas feitas e os líderes respondem àquelas mais votadas. Repita mensalmente ou trimestralmente.
Isto aumenta a acessibilidade e a visibilidade da liderança. Os funcionários são motivados por poderem se comunicar com os líderes seniores sobre questões que consideram prementes.
Veja que são ações simples, nada “do outro mundo”, mas tendem, COM O TEMPO, a ajudar a criar um ambiente mais favorável à inovação.
Também deve-se incentivar as pessoas a deixarem de cultivar o “Sempre Foi Assim”. Esse hábito é danoso sob todos os aspectos para a empresa, mesmo que ela não esteja passando por um processo de inovação.
Há algumas formas de se fazer isso: olhar os competidores (principalmente aqueles que estão se dando bem no mercado) e comparar os processos deles aos seus em workshops com os colaboradores, propor que cada área identifique 2 ou 3 processos que existem “desde de sempre” e procurem formas de renová-los, melhorá-los, tornando-os mais eficientes, mais interativos ou com menos “fricção”.
Uma boa dica é pedir a todos os colaboradores que assistam o documentário “Marketing Miopia”, disponível no Youtube (veja aqui) e discutir em um fórum interno se o mesmo está acontecendo na empresa.
Essas ações começam a gerar uma mudança LENTA e GRADUAL do mindset dos colaboradores e criam um ambiente mais favorável à mudanças e consequentemente à uma Cultura da Inovação.